Olimpíadas, esporte e realidade brasileira

João Flávio Resende - Colunista Folha de Brumadinho João Flávio Resende tem 49 anos, é formado em jornalismo pela PUC Minas, especialista em Gestão Pública pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Foi professor na Escola Estadual Paulina Aluotto Ferreira, na Escola Estadual de Mário Campos e no CEFET-MG. Em Brumadinho, colaborou com a Rádio Inter FM e também com os jornais De Fato e Brumadinho em Foco.

Opinião

João Flávio Resende

A decisão de escrever sobre o título acima foi tomada um dia antes da ginasta brasileira Rebeca Andrade conquistar a medalha de prata nas Olimpíadas de Tóquio. Coincidência ou não, o texto só foi efetivamente escrito depois deste fato, que se torna um ingrediente a mais. Afinal, num país marcado pelas profundas desigualdades socioeconômicas, pela discriminação racial e, mais recentemente, por um governo genocida e irresponsável, uma menina negra de 22 anos se tornar a segunda melhor atleta do mundo é um feito histórico. Sem falar que é a primeira medalha olímpica conquistada pela ginástica feminina brasileira.

Temos ainda outras conquistas até o momento em que este texto foi escrito: o ouro do surfista Italo Ferreira, a prata da skatista Rayssa Leal, o bronze da judoca Mayra Aguiar, dentre outras.

As Olimpíadas são, como toda competição esportiva mundial, um momento de confraternização e de integração das nações por meio do esporte. E, de forma especial, por juntar dezenas de modalidades numa única competição, são o maior evento esportivo do planeta. Entretanto, esta edição, além de ter sido adiada por causa da pandemia do novo coronavírus, é a primeira praticamente sem público e com regras rígidas de segurança sanitária. Assim, não há a integração internacional de outras edições, nem mesmo entre os/as atletas, por causa do distanciamento que precisam cumprir.

Estados Unidos, China, Rússia, Cuba, Japão e alguns países europeus são os que mais investem no esporte. Por meio de abertura de oportunidades, concessão de patrocínio e outros fatores, os/as atletas vindos destas nações se destacam nos esportes olímpicos. Aqui no Brasil, sempre houve por parte da juventude, sobretudo a mais pobre, o sonho e o desejo de se tornar notória, famosa e rica pelo esporte, sobretudo pelo futebol, amplamente popularizado e glamourizado.

Entretanto, ainda falta no Brasil a definição e colocação em prática de políticas efetivas de incentivo e de financiamento de atletas e de potenciais atletas. O esporte nunca foi prioridade efetiva de governos e do setor privado. Excetuando o futebol, que movimenta muito dinheiro, as demais modalidades esportivas ficam para escanteio. Com isso, milhares de pessoas que poderiam se desenvolver em várias modalidades não conseguem muitas vezes sequer ter local e equipamentos adequados para treinar. Não basta querer. Para ficar em dois exemplos vindos de famílias pobres e que começaram praticamente sem condição nenhuma, Rebeca Andrade e Italo Ferreira são exceções. A regra, infelizmente, é começar e parar pelo caminho por falta de incentivo e de oportunidade. E não é falta de esforço. Fosse assim, a maioria venceria na vida, inclusive no esporte.

O esforço é essencial, mas ele só dá frutos quando vêm junto as oportunidades. Falo por mim. Meu pai e minha mãe vieram da roça, de famílias que passaram dificuldades. Eles deram a mim e a minha irmã o apoio que não puderam ter. Nós agarramos as oportunidades e conseguimos fazer curso superior, fazer concursos, construir carreiras profissionais sólidas e estáveis. E eu procuro ajudar a garantir oportunidades ainda melhores para os meus filhos. Mas tudo isso só é possível porque tive apoio, estrutura. Quando não há, poucos se sobressaem.

Voltando ao esporte: as conquistas em modalidades esportivas são importantíssimas para a autoestima do povo de um país. Contudo, a alegria proporcionada pelo nome do Brasil destacado lá fora sempre foi usada para mascarar mazelas aqui dentro. Os maiores de 55 anos vão se lembrar de como a ditadura militar usou o tricampeonato mundial de futebol para exaltar um pretenso patriotismo em favor do regime que perseguiu, torturou e matou tanta gente. E ao longo da história, infelizmente muitos atletas se alinharam a governos autoritários, tanto lá na ditadura quanto agora. Pois poderíamos ter mais atletas e mais conquistas se o governo brasileiro investisse no esporte como política pública efetiva, o que não é a realidade. A maioria tem que se virar praticamente sozinho.

Além de possibilidade de ascensão social, o esporte traz muitos outros benefícios: melhoria da saúde, da qualidade de vida, das interações sociais, deixa seus praticantes mais longe de drogas e da marginalidade, além de promover a dedicação, a disciplina e a perseverança. Que o digam Rebeca Andrade e Mayra Aguiar, atletas de destaque em Tóquio depois de enfrentarem lesões, cirurgias e longos períodos de recuperação.

O esporte pode ensinar muita coisa para a sociedade brasileira.