Comissão da ALMG aprova criação do Monumento Natural Serra do Curral

De autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT), projeto determina proteção integral e proíbe exploração mineral na região. Ao todo, oito municípios serão contemplados, entre eles, Brumadinho

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Foto: Leo Souza.

Por Projeto Manuelzão UFMG

Sob o peso das revelações da operação Rejeito, que expôs um esquema criminoso de corrupção e crimes ambientais em Minas Gerais, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou nesta terça-feira, 23, a proposta de criação do Monumento Natural Serra do Curral. O Projeto de Lei 1449/2023, de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT), abrange a área fronteiriça de oito municípios da região metropolitana: Belo Horizonte, Nova Lima, Sabará, Raposos, Brumadinho, Ibirité, Sarzedo e Mário Campos.

A votação acontece uma semana após a Polícia Federal deflagrar a operação que revelou como o projeto foi sistematicamente sabotado por uma organização criminosa liderada pelo ex-deputado estadual João Alberto Paixão Lages e o lobista Gilberto Henrique Horta de Carvalho. Escutas policiais mostraram as estratégias para neutralizar a proposta, incluindo a manipulação do então relator, o deputado Charles Santos (Republicanos), que solicitou “informações adicionais” ao governo estadual — artifício que paralisou a tramitação por tempo suficiente para beneficiar os interesses minerários na região.

A investigação descobriu que Carvalho considerava a aprovação do projeto uma ameaça direta aos negócios do grupo criminoso na Serra do Curral. Em fevereiro de 2024, as escutas captaram Lages orientando o lobista a trabalhar pela suspensão definitiva da proposta. Após conseguir interromper temporariamente a tramitação, Carvalho sugeriu um encontro presencial, o que os investigadores interpretaram como tentativa de negociar pagamentos.

Lages, presidente da Associação de Mineradoras de Ferro do Brasil, havia sido indiciado pela Polícia Civil de Minas Gerais por ameaçar a secretária estadual de Meio Ambiente, Marília Carvalho de Melo. Segundo o inquérito da Polícia Civil, ele pressionou Marília para que ela acelerasse o licenciamento da Fleurs Global na divisa entre Raposos, Sabará e Nova Lima, na Grande BH, ao pé da Serra do Curral e ao lado do Rio das Velhas. O ex-deputado é sócio da mineradora Gute Sicht, que explorou sem licenciamento ambiental uma área próxima à da Fleurs na Serra do Curral. Desde 2020, a Polícia Federal apontava que as empresas atuam em conluio.

O projeto só voltou a tramitar após a prisão dos envolvidos no esquema. Jean Freire (PT) assumiu a relatoria na semana passada e apresentou parecer favorável à criação do Monumento Natural. A proposta estabelece proteção integral da área, vedando completamente atividades de mineração, construções não relacionadas à preservação, retirada de vegetação (salvo para fins científicos), caça e atividades que possam causar incêndios.

Nos últimos anos, a falta de proteção definitiva permitiu que diversas mineradoras funcionassem ilegalmente na serra. A área a ser protegida inclui terrenos com operações de empresas investigadas pela operação Rejeito: Gute Sicht, Fleurs Global (que atuavam através de licenças irregulares posteriormente consideradas inválidas), MMF e Prisma.

Aprovação na CCJ acontece menos de uma semana após deflagração da operação da PF. Foto: Leo Souza.

O texto do projeto agora segue para análise na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, onde enfrentará nova etapa de avaliação.

Na mesma sessão, a CCJ analisou proposta concorrente de Doorgal Andrada (PRD) para criar um Parque Metropolitano da Serra do Curral abrangendo Belo Horizonte, Nova Lima e Sabará. O relator Zé Laviola (Novo) solicitou estudos técnicos adicionais, adiando a votação.

O esquema investigado

operação Rejeito expôs um sistema corrupto de aprovação de licenças ambientais envolvendo múltiplos órgãos públicos. Segundo as investigações, empresários pagavam propinas e manipulavam processos burocráticos para conseguir autorizações irregulares em instituições como a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), a Agência Nacional de Mineração (ANM) e outros órgãos de controle ambiental.

O esquema envolvia dezenas de empresas organizadas para distribuir subornos e pressionar politicamente contra medidas de proteção ambiental. Projetos de mineração em áreas ambientalmente críticas, incluindo a Serra do Curral e a Serra do Botafogo em Ouro Preto, conseguiam licenças através de documentos administrativos posteriormente considerados inválidos pelos investigadores.

A Polícia Federal estima que as atividades do grupo poderiam resultar em lucros criminosos de cerca de 18 bilhões de reais. A operação executou 79 mandados de busca e 22 prisões preventivas. João Alberto e Gilberto Carvalho, identificados como coordenadores centrais da organização, foram detidos.

Tombamento em disputa

processo de tombamento estadual da Serra do Curral permanece paralisado desde 2020, quando o dossiê técnico de embasamento ficou pronto. Desde então, dois presidentes do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) foram destituídos do cargo pelo governador Romeu Zema. A atual presidente, Marília Machado, é prima do diretor executivo da Taquaril Mineradora S.A., a Tamisa.

Em março de 2022, dez conselheiros do Conselho Estadual de Patrimônio Cultural (Conep) denunciaram publicamente “fortes resistências do governo estadual” para efetivar o tombamento. O governo adotou estratégia ambígua: decretou tombamento provisório em junho de 2022, mas defendeu simultaneamente a permanência da mineradora Gute Sicht operando ilegalmente na região.

A serra abriga nascentes que abastecem a região metropolitana e representa patrimônio paisagístico único. Há mais de 60 anos, a sociedade civil de Belo Horizonte e Minas Gerais tenta proteger esse patrimônio cultural e importante produtor de água.

Acesse o site do Projeto Manuelzão UFMG: https://manuelzao.ufmg.br/

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