
O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) manteve a suspensão da licença ambiental concedida à mineradora LARF/MIB para explorar minério de ferro no Pico Três Irmãos, entre os municípios de Mário Campos e Brumadinho, na Grande Belo Horizonte. A decisão final foi dada em abril, com a rejeição de dois recursos, um apresentado pelo governo de Minas Gerais e outro pela mineradora, sob relatoria do desembargador federal Marcelo Dolzany da Costa.
O processo foi movido pelo Núcleo de Direito Ambiental do Projeto Manuelzão, por meio do Instituto Guaicuy, em parceria com a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais (N’Golo). A denúncia foi fundamentada na violação ao direito à consulta livre, prévia e informada (CLPI) da Comunidade Quilombola Família Sanhudo, moradora da região de Tejuco, em Brumadinho.
A CLPI é um direito assegurado pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) aos povos indígenas e comunidades tradicionais, que prevê participação nas decisões que impactem seus territórios, modos de vida e culturas. A consulta deve ser feita antes da implementação de empreendimentos que possam afetá-los, com tempo adequado, transparência e sem pressões.
A Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) chegou a aplicar um questionário à comunidade e realizou reuniões com representantes de igrejas, escolas e associações locais, que classificou como “stakeholders”, termo em inglês do mundo dos negócios que designa partes interessadas em um empreendimento.
Para o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) essas ações não configuram consulta prévia. “A opinião pode não ter sido livremente expressa, seja por temor reverencial ou receio de perder empregos, serviços ou benefícios concedidos pela empresa”, afirmou o procurador regional do MPMG, Helder Magno da Silva.
O desembargador Marcelo Dolzany recusou o argumento do governo de Minas de que a Justiça Federal não teria competência para julgar o caso. A Constituição atribui à esfera federal processos que envolvam órgãos federais, como o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pela titulação de terras quilombolas, e a Fundação Cultural Palmares.
Histórico
A mineradora MIB, do grupo SM Metais, e LARF Consultoria e Administração contam com o apoio do governo de Minas para o chamado projeto Carrapato. A Semad concedeu, em 2 de fevereiro, licenças prévia e de instalação ao empreendimento sem consulta prévia ao Quilombo Família Sanhudo, que reside a apenas 2,6 quilômetros da mina.
O órgão alegou que a comunidade quilombola não tinha certificação da Fundação Cultural Palmares nem território oficialmente delimitado, o que não isenta o Estado da obrigação legal de realizar a consulta.
Em 2024, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, assinou o Decreto nº 48.893/2024, que flexibilizava as regras para realização da CLPI. A medida restringia o direito apenas a povos indígenas reconhecidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai); comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares ou povos e comunidades tradicionais certificados pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no entanto, suspendeu a norma, ao julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). O STF reafirmou que a consulta é um direito fundamental e não pode ser limitada por decretos estaduais.
Moradores da Comunidade Quilombola Família Sanhudo relataram problemas com o abastecimento e qualidade da água na região, agravados pela atividade minerária e pelo tráfego intenso de veículos pesados. Antes do empreendimento, tinham acesso à água potável. Agora, dependem de fontes externas.
O projeto da LARF/MIB está a apenas 2 quilômetros do epicentro do desastre-crime da Vale em Brumadinho, em 2019, que vitimou 272 pessoas e devastou o Rio Paraopeba. O Ministério Público Federal já expressou preocupação com a expansão da mineração em uma região já fragilizada pelos impactos do rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão.
Próximos passosA suspensão das atividades da mineradora permanece até o julgamento definitivo do caso. Enquanto isso, avançam iniciativas legislativas para proteção do território, como o tombamento municipal do Pico Três Irmãos aprovado pela Câmara de Mário Campos e uma proposta de emenda à Constituição (PEC) na Assembleia Legislativa pelo tombamento estadual da serra.
A Serra do Pico Três Irmãos é parte da Cordilheira do Espinhaço, na zona de amortecimento do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça. Com picos que superam 1.300 metros de altitude, a região abriga nascentes que abastecem a Grande BH e possui importância ecológica, econômica e cultural. A economia local é baseada em práticas agroecológicas e no turismo rural, atividades ameaçadas pela mineração.
Matéria: “Comunicação Projeto Manuelzão UFMG”
Foto: Chico Trekking