A campanha eleitoral acabou; hora de enrolar as bandeiras e trabalhar

Vamos manter nossos olhos abertos e cobrar dos vitoriosos os seus compromissos assumidos na campanha

Opinião

Por João Flávio Resende

Três assuntos dominaram o noticiário após a vitória de Lula (PT) no segundo turno das eleições presidenciais: o silêncio do presidente Jair Bolsonaro (PL) após o fim da apuração, a montagem da equipe de transição e as manifestações de apoiadores do presidente que não aceitam o resultado. Vamos falar disso aqui.

João Flávio Resende - Colunista Folha de Brumadinho João Flávio Resende tem 49 anos, é formado em jornalismo pela PUC Minas, especialista em Gestão Pública pela UFJF - Universidade Federal de Juiz de Fora. Foi professor na Escola Estadual Paulina Aluotto Ferreira, na Escola Estadual de Mário Campos e no CEFET-MG. Em Brumadinho, colaborou com a Rádio Inter FM e também com os jornais De Fato e Brumadinho em Foco.

Na democracia, é costume o candidato derrotado telefonar para o vencedor logo depois da confirmação da vitória, e, no telefonema, reconhecer a derrota e parabenizar o candidato que venceu. Em dois momentos da história recente do Brasil e em um momento nos Estados Unidos, não vimos isso acontecer. Em 2014, quando Dilma Rousseff (PT) foi reeleita presidente da República, o candidato Aécio Neves (PSDB) não ligou para Dilma, não aceitou a derrota, exigiu que a apuração fosse refeita e colocou fogo no caldeirão que levou ao impeachment de Dilma e ao surgimento de Bolsonaro como candidato a presidente. Em 2020, nos EUA, Donald Trump perdeu a reeleição, tentou colar a mentira descarada da fraude eleitoral e incentivou um grupo de extrema-direita a invadir o Capitólio (sede do congresso norte-americano) para tentar um golpe de Estado, que não deu certo. E Joe Biden, o vitorioso, assumiu a Presidência do país mais poderoso do mundo. E, agora, em 2022, Bolsonaro ficou mudo por quase dois dias e, num pronunciamento de pouco mais de dois minutos, não citou Lula nem reconheceu abertamente a derrota, ficando essa tarefa para seus apoiadores, como o vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos), o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP) e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP). Na prática, o governo que sai já está arrumando as malas. E já se cogita a possibilidade de Bolsonaro nem passar a faixa presidencial para Lula em 1º de janeiro, provavelmente ficando essa tarefa para Mourão, como vice-presidente (ele foi eleito senador pelo Rio Grande do Sul, mas só tomará posse em fevereiro).

Sempre quando há troca de governo, é necessário um grande e intenso trabalho de transição. A equipe que vai sair passa todas as informações de governo para a equipe que está chegando. E nessa semana começou a ser formada a equipe de transição do futuro governo Lula, tendo como coordenador o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB). Ainda há um certo temor de que o governo Bolsonaro procurará dificultar o trabalho de transição, mas integrantes do próprio governo já sinalizaram que vão colaborar. É esperar para ver. Afinal, o novo governo não pode assumir no escuro, sem saber informações sobre orçamento e finanças, projetos, dentre outras tão importantes para garantir que os serviços prestados pelo governo não sejam paralisados quando da troca de presidente. Mesmo que Lula já tenha tido a experiência de dois mandatos (foi eleito presidente pela primeira vez há exatos 20 anos), praticamente tudo mudou no governo de lá para cá.

E o assunto que ganhou a maior parte do noticiário nesta semana foram as manifestações de apoiadores de Bolsonaro, que se postaram diante de instalações do Exército e também bloquearam várias das rodovias mais importantes do país, protestando contra o resultado das eleições e pedindo “intervenção federal”, mesmo sem saber que tipo de intervenção seria essa e por quais motivos. Afinal, as eleições passaram e o resultado já foi proclamado, não restando mais nada a fazer sobre isso. É como se um time de futebol tivesse ganhado o campeonato e o perdedor quisesse tomar o troféu à força. O bloqueio de rodovias chegou a comprometer o abastecimento do comércio e prejudicou o ir e vir de pessoas que precisavam se deslocar para tratamento médico, por exemplo. Chegou ao ponto de o próprio presidente pedir que os manifestantes liberassem as estradas. Como se ele mesmo não tivesse nada com isso – algumas informações divulgadas por jornais dão conta de que essas manifestações foram planejadas antes das eleições, já prevendo uma possível derrota. E nada garante que as manifestações parem de acontecer tão cedo. É aguardar.

Por fim, como o orçamento federal de 2023 ainda não está fechado, e é com base nele que o novo governo vai trabalhar no ano que vem, membros da equipe de Lula já discutem com o Congresso formas de poderem honrar os compromissos assumidos na campanha, como o salário-mínimo voltar a ter aumento real, ou seja, acima da inflação, para resgatar gradativamente o seu poder de compra. Para isso, é essencial negociar com os deputados já eleitos e os seus partidos. E essa negociação passa pelo Centrão, grupo de deputados sobretudo do PP, PSD, Republicanos e PL, que geralmente dão sustentação a qualquer governo, desde que tenham cargos e verbas. E já começam a aparecer críticas ao governo eleito, dizendo que vão se vender ao Centrão. Quanto a isso, vale lembrar que nós, eleitores, é que elegemos os deputados, ou seja, nós mesmos criamos dificuldades para o governo funcionar, já que a maioria, ao votar em deputados e senadores, não usa os mesmos critérios para escolher presidente. Aí, não adianta reclamar.

Talvez a política brasileira seja uma das mais intrincadas e complexas do mundo, sobretudo nestes tempos de polarização. E no meio desse país dividido, nem se fala mais em “terceira via”. E justamente os políticos de centro precisarão se organizar daqui por diante para não desaparecerem por completo. Eu considero muito saudável para a democracia a existência de fortes grupos mais centrais, o que evita que o país descambe para o espectro político mais nocivo e prejudicial à democracia: a extrema-direita. “Ah, João, mas e a extrema-esquerda?”, alguém pode perguntar. E eu respondo: nunca houve governo de extrema-esquerda no Brasil. E acho praticamente zero a chance de haver, pela própria estrutura político-institucional e pela cultura política que o Brasil tem.

Resumindo: governo eleito, definido, hora de trabalhar. Vamos manter nossos olhos abertos e cobrar dos vitoriosos os seus compromissos assumidos na campanha. Não há espaço para erros.