MPF: Vale terá que manter assessoria técnica independente para apoio a comunidade indígena

Decisão do TRF6 considerou injustificada a demora de quase quatro anos para o cumprimento de acordo firmado com a empresa

Arte: Comunicação/MPF

O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF6) acolheu manifestação do Ministério Público Federal (MPF) e da Defensoria Pública da União (DPU) e manteve decisão da Justiça Federal de Belo Horizonte (MG) que obriga a Vale a manter a contratação de assessoria técnica independente (ATI) para prestar apoio à comunidade indígena Pataxó, pelos danos decorrentes do rompimento da barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), ocorrido em janeiro de 2019. A mineradora havia recorrido da decisão que determinou a prorrogação do contrato com a assessoria até conclusão do processo reparatório integral aos atingidos. A multa total em razão do descumprimento pode chegar a R$ 20 milhões.

O acórdão manteve o decidido pela 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, que acolheu pedido feito pelo MPF e pela DPU no final de março. A assessoria técnica independente tem a finalidade de apoiar a comunidade, de maneira a permitir sua participação qualificada durante todo o processo de reparação, o que foi previsto no Termo Acordo Preliminar Emergencial (TAP-E), firmado em abril de 2019 entre a Vale, o MPF e o Povo Pataxó e Pataxó Hã Hã Hãe, com a interveniência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

No início deste ano, o contrato com o Instituto Nenuca de Desenvolvimento Social (Insea) – entidade indicada pelos indígenas para prestar essa assessoria – acabou interrompido pela mineradora, que alegava ter chegado ao fim o prazo de dois anos estabelecido no acordo. Em maio, após decisão da Justiça obrigando a prorrogação do contrato, parte dos serviços foram retomados, mas de forma incompleta, de acordo com o MPF.

Na manifestação contrária ao recurso ajuizado pela Vale, o MPF aponta que a omissão da empresa, ao longo do tempo, vem “ocasionando prejuízos às comunidades indígenas envolvidas, além dos sociais e ambientais incomensuráveis, já que o local continua sem condições dignas de uso pelos povos atingidos”. Ao considerar os argumentos do Ministério Público, o TRF6 entendeu que a obrigatoriedade imposta à empresa não está sujeita ao limite temporal, mas sim ao efetivo cumprimento dos termos firmados no acordo para reparação dos danos. “O prazo estipulado no TAP-E apenas projetou um lapso temporal em que as negociações teriam fim resolutivo”, pontua o relator do caso, desembargador Álvaro Ricardo de Souza Cruz.

Ocorre que o processo reparatório está longe de terminar. A entidade que seria responsável pelo diagnóstico dos danos sofridos pela comunidade indígena – o Instituto de Estudos de Desenvolvimento Sustentável (Ieds) – foi contratada pela Vale apenas em junho deste ano, após reiterados pedidos do MPF e da DPU em primeira instância. Ou seja, mais de quatro anos após a assinatura do acordo, o que impediu a conclusão do processo reparatório, segundo o MPF.

Além disso, a recente contratação prevê apenas a revisão do plano de trabalho e não o início do diagnóstico de danos.  “Sem que tenha iniciado o processo de mensuração dos prejuízos socioambientais, o Insea ficou impossibilitado de auxiliar os integrantes das aldeias no esclarecimento e equalização informativa sobre os fatos”, completa o desembargador no voto.

Tanto o MPF quanto a Corte Regional definem como “completamente irrazoável” a demora superior a três anos na contratação da empresa responsável pela avaliação dos danos causados “por um dos maiores desastres ambientais da história”. A decisão pontua que os injustificados descumprimentos da Vale postergam a possibilidade de reparação integral da comunidade indígena, destacando que “os povos originários atingidos tiveram o modo de vida completamente desestruturado, além dos demais males causados, como por exemplo, a separação progressiva da comunidade”.

Multa – A decisão manteve a multa diária de R$ 500 mil imposta na primeira instância em caso de descumprimento dos prazos estabelecidos, até o máximo de R$ 20 milhões. Foi determinado à mineradora que realize a adequação do plano de trabalho do Insea, para refletir a atual realidade da comunidade indígena – hoje segmentada em um número maior de grupos. 

Além disso, a Vale terá que contratar uma entidade autônoma para analisar as prestações de contas do Insea, assim como concluir o processo de contratação do Ieds, para que inicie o diagnóstico de danos sofridos pelos indígenas atingidos pela tragédia.

O jornal Folha de Brumadinho procurou a Vale para falar sobre a decisão da Justiça Federal de Belo Horizonte. Em nota, a Vale informou que respeita todas as decisões judiciais e segue cumprindo os acordos firmados com as instituições de justiça e comunidades. A empresa esclareceu ainda que o serviço do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Social (Insea) foi retomado, nos termos da determinação judicial. Sobre o contrato celebrado com o Instituto de Estudos de Desenvolvimento Sustentável (Ieds), ele prevê uma primeira etapa de elaboração do plano de trabalho e já garante sua execução, que é a etapa seguinte e abrange a elaboração do diagnóstico de danos, não havendo qualquer incompletude. A Vale reforçou também que mantém o diálogo aberto com as comunidades indígenas afetadas pelo rompimento da barragem do córrego do Feijão, em Brumadinho, sempre respeitando suas tradições e reconhecendo a autonomia e protagonismo assegurados pela Constituição.

Fonte: Assessoria de Comunicação Social/Ministério Público Federal